Qualquer conversa sobre estes três elementos merece ser levada a sério hoje em dia, principalmente se todos eles estiverem em pauta.
Velocidade se tornou um item importante por conta da necessidade de execução. Antigamente a velocidade poderia ser até zero — v = 0 — pois as ideias valiam mais do que sua materialização em coisas reais; valiam mais do que sua execução.
No começo da minha carreira trabalhei em uma empresa que adotou o tagline “Forward Faster”. Alta velocidade era a nova ordem e deveria tornar-se a cultura geral da empresa. Por quê? Porque a alta administração da empresa percebeu que era mais fácil reter clientes enquanto eles estivessem percebendo valor nas soluções que lhes foram vendidas. Se houvesse atraso nessa percepção, haveria risco de um concorrente aparecer e roubar a cena para si, provavelmente através de um produto que trouxesse resultados em menor tempo.
Nesse contexto, como fica a mentalidade das pessoas e o seu alinhamento com a estratégia da empresa? Vejamos algumas perguntas de checagem.
P. Como devemos obter feedback dos clientes a respeito do nosso produto?
R. Rápido.
P. Como devemos desenvolver nosso produto ou novos produtos para atender às necessidades dos clientes?
R. O mais rapidamente possível.
P. Como devemos capacitar nossa força de vendas, canais e o pós-venda neste novo produto?
R. Todos ao mesmo tempo e rápido.
P. Como fica o ciclo da venda?
R. Encurtado.
P. E o jurídico? Emissão de contratos.
R. Estávamos trabalhando com 1 semana para emissão de contratos. A partir de hoje deverá ser 1 dia.
P. A implantação?
R. Rápida.
P. Faturamento?
R. Idem.
Só existe um bom motivo ou justificativa para a diminuição da velocidade na empresa:
Agilidade
No mundo dos esportes a motor, nada supera a velocidade dos dragsters da categoria Top Fuel. São 8.000 cavalos de potência no motor para acelerar de 0 a 500km/h em 4,7 segundos.
A agilidade deste “veículo” é zero. Ele só pode ir para frente e reto. Qualquer desvio de trajetória, qualquer desbalanço, qualquer descuido transformariam estes poucos segundos em uma grande tragédia.
Por mais que alguns gerentes queiram transformar a empresa num dragster, na prática, isso não é uma boa ideia.
Um dragster, assim como uma flecha disparada do arco, ignora tudo que está ao seu redor para focar-se apenas em um pequeno ponto localizado lá na frente, na linha de chegada ou na mosca do alvo. Nada mais importa.
O conceito de agilidade se desenvolve num ambiente de percepções aguçadas.
Agilidade é, acima de tudo, nossa capacidade de reagir a estímulos, mudar de direção, acelerar, frear ou, até mesmo, parar.
A cultura ágil surgiu num momento em que as empresas lutavam para “prosperar em ambientes de grande turbulência marcados pela mudança e pela incerteza”.
Olhando de outro ângulo, a cultura ágil permitiu que empresas assumissem o risco de operar em ambientes voláteis e incertos em troca de sua simples sobrevivência.
“Adapt or die.” — Célebre frase com apelo Dawiniano dita com o propósito de nos lembrar que não é a velocidade ou a força que nós faz seguir em frente, mas nossa capacidade de adaptação ao ambiente e aos desafios que ele coloca na nossa frente.
É possível pensar num organismo lento, porém ágil e plenamente adaptado ao seu meio? Sim, o camaleão.
O camaleão tem um conjunto de habilidades impressionantes. A principal delas é a camuflagem, uma capacidade natural de mudar a cor da própria pele para imitar o ambiente ao seu redor enganando, assim, suas presas. Esse processo de mudança depende totalmente da capacidade de percepção do camaleão. Não haveria camuflagem se o camaleão não reagisse às condições impostas pelo ambiente. É possível traçar alguns paralelos com a realidade nas empresas.
- Localizar a presa | Localizar um nicho de mercado
- Perceber detalhes do ambiente | Ciência de dados, analytics, big data
- Mudar a cor/textura do corpo | Adaptação do portfólio de produtos, novos produtos
- Aproximar-se da presa | Alinhar marketing, vendas diretas e canais na estratégia de go-to-market
- Bote certeiro | Execução
Neste momento talvez você esteja sentido falta de um elemento muito popular da filosofia ágil; um elemento que (ainda) nos diferencia de muitas máquinas e, seguramente, de todos os outros animais: a aprendizagem.
Agilidade nos permite desenvolver inteligência. Ciclos iterativos como o PDCA ou o pensamento sistêmico — systems thinking — nos ajudam a identificar padrões e como devemos responder a eles.
O mundo tech é terreno fértil para muitas práticas consideradas ágeis. As características que mais me chama atenção são estas:
- Scrum: o contato entre Product Owners e as equipes de desenvolvimento favorece a discussão centrada no cliente/usuário, bem como a avaliação das funcionalidades em ciclos iterativos.
- Integração Contínua (CI): o encurtamento extremo entre os commits permite a identificação de erros e necessidades de melhoria antes que o produto se torne complexo demais para mudar, em outras palavras, não se permite a perda da agilidade nas equipes de desenvolvimento. A cada commit as equipes têm a chance de avaliar o novo código e como ele influencia os trabalhos no nível individual.
- Entrega Contínua (CD): conta com elementos de automação de testes e monitoramento que funcionam como sentidos aguçados prontos para localizar problemas e necessidades de mudança antes mesmo dos commits. Enquanto em CI a agilidade é percebida a cada commit, em CD ela acontece em vários processos anteriores ao commit.
- DevOps: sempre vi nesta área a maior expressão de agilidade que uma organização pode ter hoje em dia, principalmente uma organização que tem tech no seu core business. Apesar do sufixo “Ops” nos remeter à “Operações”, ou seja, ciclos repetitivos, o prefixo “Dev” reforça a presença do trabalho de desenvolvimento, dos projetos. No meu entender, nada pode dar mais agilidade a uma organização do que essa integração entre projetos que geram inovação e processos que viabilizam a entrega e o emprego dessa inovação. É o motor que faz funcionar verdadeiras fábricas de inovação em empresas como Facebook, Google e Amazon.
Se por um lado a velocidade e a agilidade são associadas ao avanço, por outro, o terceiro conceito deste ensaio nos remete à capacidade de recuar, absorver impactos e lidar com a escassez, trata-se da resiliência.
Resiliência
O primeiro contato que tive com o conceito de resiliência nas empresas foi num treinamento de vendas. O objeto usado como exemplo pela instrutora era uma mola de metal.
Uma mola como esta foi projetada e construída para mudar de forma. Ela possui resiliência por definição. Sua estrutura se deforma para absorver uma certa pressão. Quando a pressão é finalmente aliviada, a mola se expande para assumir seu formato original, alongado.
A mola existe, portanto, em dois “estados”: um contraído e outro estável.
No ambiente empresarial, o conceito de resiliência sugere que os processos, as pessoas e os recursos em geral devem ser definidos de forma a permitir vários “estados”.
Porém, entre esses estados haveria um definido como “normal” ou “ótimo” para o atingimento dos objetivos empresariais. Ou seja, faz parte da mentalidade resiliente o entendimento sobre esses vários estados, suas implicações para o dia a dia da empresa e seu processos, e também os meios necessários para trazer a empresa novamente ao seu estado “ótimo”.
No momento que escrevo este ensaio o mundo se aproxima de completar 1 ano e meio de enfrentamento a pandemia de COVID-19, uma crise sanitária sem precedentes na história da civilização moderna e que impactou diretamente o funcionamento das empresas.
A necessidade de distanciamento social — muitas vezes confundido com isolamento social — provocou o deslocamento da força de trabalho para fora dos escritórios e para dentro das residências. Empresas que nunca haviam dado a devida atenção ao teletrabalho — o home-office — se viram na urgência de viabilizar essa modalidade de trabalho remoto sob pena de pararem totalmente suas operações.
Muitas empresas tiveram que desenvolver resiliência.
As mais rígidas, organizadas por processos como bancos e escolas de educação básica precisaram investir tempo e recursos em novos processos e ferramentas que viabilizassem, por exemplo, o trabalho remoto, ou o atendimento via celular a qualquer hora do dia.
Tanta mudança exigiu adaptações nas leis também. Nas leis trabalhistas.
Industrias de embalagens precisaram contratar mais pessoal e expandir sua rede de fornecedores de matéria prima para dar conta do pico de vendas causado pelo comércio eletrônico e modalidades de delivery em geral.
Quando a crise sanitária for superada, muitas organizações irão retornar para seu estado “ótimo” de trabalho. Os colaboradores voltarão aos escritórios e às reuniões em ambientes fechados. Os alunos voltarão às salas de aula e as indústrias que lucraram tanto com as necessidades impostas pela pandemia deverão se desfazer de parte da nova estrutura que construíram ao longo do tempo.
Deverão entender que o momento de pandemia era a mola em estado de contração, tenso, longe do ótimo, mas que tanto o objeto como as empresas guardam memória sobre seu estado natural e, mais do que isso, energia acumulada em si para retornar a esse estado natural.
No mundo tech, nada pode demonstrar melhor o valor da resiliência do que o conceito de computação na nuvem — cloud computing.
A resiliência foi um dos motivadores principais para a introdução de “cloud” — como dizem os íntimos.
A nuvem que muda de forma conforme a demanda por recursos computacionais. Ora cresce para atender picos de demanda, ora diminui, desalocando recursos para poupar a empresa de custos diretos.
Este pequeno bloco de código aqui abaixo é suficiente para criar um servidor na nuvem da Amazon na costa oeste dos EUA em menos de 2 minutos. Antigamente seria necessário comprar o equipamento, esperar alguns dias pela entrega e depois realizar todo o processo de configuração, testes e colocação do servidor em rede para ser utilizado.
aws ec2 run-instances --image-id ami-5ec1673e --key-name MyKey --security-groups EC2SecurityGroup --instance-type t2.micro --placement AvailabilityZone=us-west-2b --block-device-mappings DeviceName=/dev/sdh,Ebs={VolumeSize=100}
Porém, as organizações não dependem apenas de máquinas e nuvens, mas de muito sangue, suor e lágrimas humanas. 😂 🤣
Nosso comportamento não se modifica imediatamente com o passar de alguns comandos em texto. Mudanças no ambiente de trabalho precisam ser compreendidas, comunicadas e acompanhadas até que se efetivem. Exercitamos nossos conceitos, ampliamos nossos conhecimentos e buscamos cooperação em momentos quando a “mola” se encontra visivelmente contraída.
Resiliência se desenvolve através da técnica e da prática. Como temos praticado resiliência? Talvez a melhor forma seja nos expôr diretamente às tensões do ambiente.
Se existe uma disciplina que nos faz exercitar a velocidade, a agilidade e a resiliência ao mesmo tempo, ela é o Parkour. Seu praticante ataca em alta velocidade obstáculos físicos do ambiente, passando de um para o outro com grande agilidade, ora saltando, ora se agarrando. A técnica de rolagem para amortecer a energia da queda é incrivelmente eficaz para reduzir o risco de lesões ou fraturas no praticante. Sem resiliência, o praticante não conseguiria chegar ao final do treino, e se machucaria tanto que logo perderia o prazer pela atividade.
Como anda o seu “parkour corporativo”?