AVISO: O título correto deste post talvez fosse “O melhor ensaio que já li sobre a função do diploma universitário no século 21 nos Estados Unidos“, pois o autor é americano e deixa implícito que sua análise e opiniões são de quem habita aquele país. Decidi deixar o título sem essa delimitação apenas para não desmotivar o leitor antes mesmo da leitura.
(…) what exactly college degrees do in our society.
— Bret Devereaux
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Do ponto de vista mais básico, o diploma é um indicador.
Ele indica a você mesmo, aos seus amigos, familiares e, ao mundo, que você completou um curso superior de uma ocupação social para a qual você está agora apto a exercer.
Então é válido afirmar que o diploma universitário (daqui para frente apenas “diploma”) associa ao ex-aluno um conjunto de habilidades e conhecimentos adquiridos de forma sistemática ao longo do curso.
Um diploma de biólogo atesta que seu portador pode exercer alguma biologia através de seus conhecimentos.
Essa sempre foi a ideia clássica da função do diploma.
Indo um pouco além deste ponto, mas permanecendo na função de indicador, o diploma sugere que seu portador tem um nível diferenciado de inteligência.
Ele foi inteligente o bastante para preparar-se para entrar num curso superior, avançar ano a ano pelas várias atividades e avaliações até, finalmente, graduar-se.
Quando conhecemos alguém que “entrou em 1o lugar em medicina” na universidade X, um processo quase subconsciente nos sugere que esta pessoa é, sem sombra de dúvida, inteligente.
Apesar de ser um exemplo extremo, empresas e organizações usam essa “regra” com diferentes intensidades para filtrar candidatos nos mais variados níveis.
Mesmo que o candidato não tenha completado o curso, o simples fato dele ter conseguido passar pelo processo de preparação para o vestibular (muitas horas de estudo estruturado e com foco num objetivo) e ingressado em um curso superior já o diferencia dos demais.
“Ela fez 3 anos na Federal de Minas.”; já é muito diferente aos olhos do mercado de trabalho em relação àquela que sequer entrou em qualquer curso superior.
Finalmente, completar um curso superior indica um certo grau de apreço pela ética da profissão, disciplina e motivação para continuar evoluindo como um “profissional da área”.
Quando um escritório de advocacia contrata um jovem advogado recém aprovado no exame da OAB, é esperado que ele encare os desafios da profissão da mesma forma que encarou o exame da Ordem: com dedicação, com preparação, com disciplina e com ética.
Muitas profissões exigem que o indivíduo tenha a capacidade de se auto dirigir (o que fazer), auto motivar (porquê fazer), auto gerenciar (como fazer e continuar fazendo). O tempo dedicado ao curso superior também é visto como um processo onde o estudante exercita essas capacidades e se prepara para o mercado de trabalho.
Perceba, então, que já saímos da discussão sobre ter conhecimentos técnicos e entramos em outra que diz respeito à atitude do profissional, principalmente em relação a si mesmo.
Neste vídeo — agora um clássico da Internet brasileira — o Prof. Clóvis de Barros provoca os alunos a assumirem uma atitude mais corajosa, proativa e diligente em seus estudos. Aviso: o professor é bastante irreverente e emite palavrões com frequência.
De volta aos pontos do Professor Deveraux e avançando, o diploma é também um passaporte para círculos sociais — ou, bolhas — impenetráveis por quem não é graduado.
Os exemplos mais evidentes talvez sejam a medicina e a advocacia. E, novamente, isto não tem a ver com conhecimento adquirido, mas pelo início de um convívio dentro de uma cultura social que está presente já no campus universitário.
Aspirantes a uma profissão de médico convivem quase diariamente com professores médicos, que se portam, se manifestam como médicos. Suas atitudes, seu jargão e suas opiniões são internalizadas pelos alunos como um código de conduta. Porém, é mais do que isso pois, se bem usada posteriormente, essa conduta sinaliza aos integrantes do círculo que o novato ou novata é “um de nós”. A aceitação alimenta o senso de pertencimento do jovem que, em retorno, empenha-se em continuar demonstrando adesão à cultura do círculo.
O diploma, então, é a chave que abre portas para elites profissionais. O termo “elite”, aqui, não carrega qualquer contexto político por detrás. Indica apenas que se trata de um grupo menor de pessoas dentro da sociedade com características comuns.
Um advogado bem sucedido pode ter amigos médicos igualmente bem sucedidos e relacionar-se com eles socialmente. Porém, esse relacionamento nunca terá a mesma intensidade do relacionamento experimentado dentro da elite dos médicos.
Advogados falam e se comportam como advogados. Médicos falam e se comportam como médicos.
CEOs globais se portam e se identificam com CEOs globais. Elon Musk processa a imagem de Bill Gates como um “semelhante”, e vice-versa.
Esse ritual inconsciente de sinais e filtros vai até níveis mais básicos do convívio humano. O Professor cita o exemplo do domínio do idioma inglês como um fator de filtro entre as elites diplomadas nos EUA. Em outras palavras, erros gramaticais geram sensação negativa e posicionam pessoas em níveis mais baixos daqueles que não os cometem.
Porém, via de regra, nos Estados Unidos, como comenta o autor, o filtro mais usado pelas instituições de ensino superior é o valor pago pelo curso (o tuition fee pago anualmente). Os valores exorbitantes servem de pré-condição para o ingresso ao curso da mesma forma que o vestibular. Então, no final das contas, o portador de um diploma de graduação em medicina Harvard sinaliza para o mundo que:
- Foi inteligente e aplicado durante toda sua educação básica, o que lhe permitiu boa preparação, uma boa “base”, para o curso superior;
- Vem de uma família bem sucedida e com recursos financeiros suficientes para não só para pagar pelo curso ao longo do anos, mas também sustentar o aluno e seu status quo no campus: as viagens, as festas e todos os penduricalhos do dia a dia (notebooks de grife trocados a cada ano, celulares etc.);
- Foi inteligente o bastante para se organizar como aluno e manter-se motivado em seus estudos nas diversas disciplinas até o final do curso, até a graduação, diferenciando-se daqueles que o abandonaram. É detentor de mais conhecimento na área do que aqueles que se foram.
- Construiu uma rede de relacionamento composta por membros de associações, clubes e grupos — as elites — dentro do universo que compreende as várias carreiras associadas ao curso. Na realidade, ele ou ela já tinham algum contato com essas elites via suas famílias, mas agora se converteram de vez em membros atuantes.
O exemplo de Harvard é sempre extremo, mas esses 4 pontos, quando generalizados e redimensionados para outras realidades como a nossa, a brasileira, servem para refletirmos sobre a função que o diploma universitário pode ter primeiro em nós mesmos e, depois, na sociedade, principalmente nos empregadores e no mercado de trabalho.
O texto original em inglês traz muito mais detalhes e uma riqueza argumentativa muito maior do que a minha, por isso, recomendo muito a leitura.