Escrito em 2006 e postado em 2008 no site Impressões Aikido
Há poucos dias tive a felicidade e o privilégio de participar do segundo maior seminário de Aikidô da história. Os organizadores conseguiram a proeza de reunir mais de duas mil pessoas para um evento de três dias em São Paulo. Tamanha organização não foi por acaso, pois se tratava da primeira visita de Moriteru Ueshiba ao Brasil. Seu pai, Kishomaru Ueshiba esteve aqui há mais de 25 anos, portanto, depois de longa espera todos estavam ansiosos pela visita do maior líder do Aikidô mundial.
O que me impressionou logo no primeiro dia foi a formalidade e o respeito de todos para com o mestre. Ele, um verdadeiro príncipe ao entrar e sair do tatame, só arriscava um sorriso quando aplaudíamos agradecidos no final dos treinos. Em relação à técnica, o que dizer? Demorei a escrever esse texto porque não conseguia colocar em palavras o que vi. Era uma mistura de precisão com simplicidade, de energia com harmonia. Sem dúvida alguma estávamos diante do verdadeiro espírito do Aikidô. Quando ele demonstrava as técnicas eu tinha a nítida impressão de estar vendo os livros antigos seu avô Morihei, onde ele realizava seus movimentos com total serenidade e qualidade. Sentei-me próximo ao local onde ele fazia as demonstrações para acompanhar todos os detalhes e truques. Queria ver e ouvir tudo que passava, era uma compulsão pelos detalhes. De repente percebi que essa minha motivação não tinha razão de existir, e foi este sentimento que mais me motivou a escrever este texto.
Desde quando comecei a treinar Aikidô, lá em 1997, a forma como os movimentos e técnicas eram ensinados baseava-se na sua decomposição, ou seja, aprendíamos as partes que compunham um todo. Moriteru Ueshiba defende o Aikidô sem quebras ou subdivisões. Neste momento entendi que este era o Aikidô do um.
Segundo o mestre, devemos entender o movimento através de um olhar global. A técnica é única e não a soma de um conjunto de pequenas técnicas complementares. Durante um dos treinos ele até chegou a dizer: “é um erro dividir a técnica em 20 ou 30 passos. A técnica é uma só”. Daí o segredo de tanta simplicidade e objetividade.
Enchemos os principiantes de detalhes que nem sempre fazem a diferença durante o treino. Sem dúvida que é ansiedade de professor, aquela que nos força a falar e falar até que alguém resolva balançar a cabeça positivamente liberando o treino. Existe também o ‘orgulho inabalável’ dos professores onde não importa a qualidade da contribuição do aluno, pois o professor sempre terá a última palavra em defesa de sua razão. Esquecemos que somos humanos, que em essência não temos nem somos donos da verdade. Esquecemos também que a razão é uma dádiva da inteligência humana, que permite ao faixa branca ensinar o faixa-preta. Uma saída para esses problemas talvez seja o Aikidô do um, com menos falatório durante os treinos e mais observação. Devemos aprender com nós mesmos, olhando para o parceiro e para dentro de nós durante os treinos.
O Aikidô do um é simples porque foi adaptado à natureza do corpo humano, sempre levando em conta suas limitações e potencialidades. Nele ninguém dá passos maiores que suas próprias pernas. Creio que a vinda de Moriteru Ueshiba foi muito oportuna para mostrar as diferenças entre a origem e o que se tem por ai. Não defendo aqui uma ou outra, não seria ético com meus colegas nem elegante com minha mestra, mas defendo que existe uma interessante diferença que merece ser entendida e incorporada.
Ao meu ver, os benefícios dessa percepção viriam através de Dojôs mais receptivos ao grande público, treinos mais democráticos e a adoção de uma “nova forma velha” de praticar a arte, sempre buscando a harmonia e a união, seja no Dojô ou fora dele. Vida longa ao um.