O ano era 1999, creio. O Tordino estava pegando impulso na ideia do mestrado e doutorado juntos. Algo que ninguém imaginaria. Não com uma empresa de consultoria e grandes clientes para atender ao mesmo tempo.
O homem era uma máquina.
Máquina de leitura.
Máquina de consumo e de produção de conhecimento.
Um dia o vi lendo um texto em voz alta.
Outro dia estava lendo quieto. “Mais rápido”, segundo ele.
Uma vez cheguei em sua mesa e ele estava visivelmente alterado.
Quando percebeu minha presença, levou suas mãos à cabeça, arregalou os olhos e disse: “não há tempo”
Não há tempo para ler tudo que o que precisamos ler.
Não há tempo para todas as descobertas, todas as ideias.
Se ao lermos uma obra pegamos carona com o autor em sua experiência de vida, precisaríamos de muitas vidas, talvez, para experimentarmos tudo que os grandes autores reservaram para nós.
Que imensa dor é essa quando negamos tais viagens?
Não negamos por desinteresse, longe disso, mas por uma simples questão de prioridade.
“Não há tempo”
Não há tempo para se ler tudo que precisa ser lido. Tordino tira as mãos da cabeça e as aponta em direção ao teto, deixa-as cair junto ao corpo. Seu queixo quase encosta no peito. Balança a cabeça em sinal de negação.
Eu era bem mais jovem. Deveria ter entendido a mensagem pela cena que assistia.
Como não invejar quem se contenta apenas com a leitura da palavra? Uma vida, um livro.
Que almas evoluídas. Há de se imaginar a forma como se relacionam com o tempo.
Como não invejar quem começou cedo a ler os clássicos? todos!, nas edições originais em inglês, francês, alemão ou espanhol. Marisa fazia questão e insistia que eu o fizesse.
Ela foi estudar Direito na São Francisco. Foi mergulhar de cabeça no humanismo. Da minha parte sobrou o surfe pelas ondas do marketing e das finanças. Água e vinho.
Agora só me resta administrar…
“A empresa?”
Sim, também. Mas além dela há a angústia e a pressa com as leituras, pois, não há tempo.
foto de capa de Jilbert Ebrahimi via Unsplash