Tenho consumido muito conteúdo sobre a crise financeira de 2008.
Acho que consegui formar alguns conceitos a respeito.
Os elementos que contribuíram para a crise nasceram e evoluíram na sociedade americana desde a década de 1980 ou um pouco antes.
Existe, sim, uma inteligentsia econômica global que opera acima da esfera das chamadas “grande corporações”. Essas corporações são apenas meios para se calibrar os fluxos e estoques monetários. São como panelas na cozinha, você as utiliza até o momento em que a refeição está pronta. Depois disso, você só volta a pensar nelas para preparar a próxima refeição.
A geração baby boomer nascida no pós-guerra começou a incomodar as camadas dominantes do capital. Os EUA viram sua população aumentar em 40% num período de 20 anos. São milhões de novas contas bancárias e poupanças acumulando capital que poderia estar concentrado nos bolsos de algumas famílias, como sempre foi.
Com a queda do muro de Berlim e da “muralha de bambu” que separava o ocidente da Ásia, os EUA e a Europa se viram competindo com uma região com 2,5 bilhões de trabalhadores. O ocidente contava com mais ou menos 660 milhões de trabalhadores.
Pouco a pouco, a renda do trabalhador Americano foi estagnando, já que a margem da indústria foi diminuindo por conta da concorrência asiática. Os donos dos bens de produção ficaram com um gosto amargo na boca e um sentimento de que a fase de ouro dos baby boomers havia passado.
E havia mesmo. Com os boomers atingindo a plenitude da vida adulta, seus grandes investimentos como imóveis, carros, eletrodomésticos e itens de luxo já haviam sido adquiridos. Os boomers estavam “tranquilos” do ponto de vista de consumo. Apenas aguardavam a chegada da aposentadoria.
Os donos do capital, agora preocupados, precisavam criar mecanismos para redirecionar o fluxo de capitais dentro da sociedade e, assim, voltar a acumular ganhos como faziam no passado.
O desabrochar da globalização fabril pressionou os bancos a adotarem tecnologia da informação para viabilizar pagamentos internacionais, bem como linhas de crédito para instalação de novas fábricas e infraestrutura logística internacional. Os grandes capitalistas começaram a vislumbrar que a digitalização das instituições financeiras poderia servir de fundação para a construção de novos produtos financeiros, especulativos, para as massas.
Ou seja, os donos do capital perceberam que era apenas uma questão de, de um lado, implementar um lobby bem feito em Washington e, do outro, “pessoas de negócios”, vendedores, que pudessem dar vazão a uma pletora de novos produtos financeiros especialmente criados para transferir parcelas da renda do trabalhador para os grupos do capital.
Já ia me esquecendo. A queda do muro de Berlim também favoreceu o deslocamento de mão de obra ultra qualificada — matemáticos, estatísticos, engenheiros, físicos et.c — que estava alocada na indústria bélica e espacial para o setor financeiro. Esse exército de mentes brilhantes passaram a trabalhar tanto nos meios de sustentação do mercado financeiro — hardware, redes — como na criação de novos produtos — software, banco de dados.
Questões legais, éticas, morais etc. tudo isso foi sendo “amaciado” pelo mesmo capital que bancava a parte mais “científica” do setor. Os anos 1990 e a primeira década dos anos 2000 viram o surgimento e a comercialização de todos os tipos de produtos financeiros que conhecemos hoje, inclusive, o mais sofisticado: os derivativos.
Os derivativos chegam a ser tão complexos em funcionamento e contrato, que nem mesmo quem os comercializa consegue ter uma visão completa e clara dos riscos associados.
Nos anos que precederam a crise de 2008, a venda dos CDOs era vista como algo comum e muito lucrativo pela maioria dos agentes de mercado da época. Nem mesmo os altos executivos das instituições financeiras tinham noção clara da toxidade daqueles papéis.
Porém, o documentário Inside Job (2010), como o próprio nome sugere, indica uma série de ações coordenadas entre o governo americano, o Federal Reserve, lobistas e executivos das principais organizações financeiras de Wall Street para transferir bilhões de dólares da população — poupanças, aposentadorias, tudo… — enriquecer-se através de comissões, de bônus e, posteriormente, de parte dos resgates financeiros (bails) concedidos pelo governo Americano, o que se configura, também, como dinheiro do pagador de impostos.
A maioria dos executivos envolvidos nessa crise não foi para a cadeia. Alguns tiveram rendimentos de mais de 1 bilhão de dólares, todos devidamente declarados e, portanto, dentro da lei.
O novo ciclo de enriquecimento iniciado nos anos 1980 gerou resultados para seus genitores, sim. Talvez durasse até mais tempo operando os mesmos esquemas, porém, quebrou antes.
Há quem diga que um novo ciclo nasceu na década de 2010.
Há quem diga que o Bitcoin, que entrou em circulação de fato em 2011, seja uma resposta dos mesmos grupos de matemáticos e outros estudiosos que viram seu conhecimento convertido em malfeitos no setor financeiro. Uma espécie de antídoto contra as perversões centralizadoras dos bancos e dos lobistas.
Quem sabe não seja este o novo ciclo, porém, virtuoso.
Minhas lembranças de 2008
Neste ano eu trabalhava na empresa HP, área de L&D, Learning&Development, desenvolvendo produtos de aprendizagem para a força de vendas da empresa. Era uma posição em “Americas”, então, falava com gente de todo o continente e até alguns indianos de vez em quando.
Lembro que não cheguei a perceber os impactos da crise financeira no meu dia a dia. “Passou batido” mesmo.
Lembro do Lula dizer que seria apenas uma “marolinha”. kkk É verdade. E a Dilma foi eleita para seu primeiro mandato. Ou seja, tudo DEVERIA estar bem por aqui.
Já dentro da empresa, muita coisa aconteceu.
A área de L&D foi totalmente reestruturada com a compra da EDS. Eu, minha chefe e dois níveis acima foram cortados num espaço de 30 dias.
Pouco antes disso, meu ex-chefe, o primeiro gerente para quem reportei na empresa, tirou sua própria vida em casa quando as más notícias da crise chegaram. Ele acabara de mudar para uma casa nova, grande. Havia trocado sua BMW M3 por um Porsche. Cheguei a andar na BMW com ele em Houston, mas não com o Porsche. Sua filha havia entrado na faculdade de veterinária, e já estava estagiando num haras local. Chris era colecionador de armas e, num piscar de olhos, tudo se foi.
Triste 2008.