Escutei ontem pela manhã um programa da rádio CBN aqui em São Paulo que falava sobre que tipo de cidade a população tem em seus sonhos.
Os apresentadores do programa usaram uma pesquisa feita no ano de 2012 para pautar a discussão. O resultado dela apontou para 2 sonhos principais em relação à cidade.
- Transporte público de qualidade;
- Rios despoluídos.
Ora, não vou entrar no mérito de como essa pesquisa foi realizada, nem quem a realizou, mas, para mim, esses dois desejos da população não refletem a realidade.
Resolvi escrever este texto porque esse tema dos “sonhos”, “expectativas”, “perspectivas de futuro” e “visão de mundo” etc. me atraí muito. Sinto que a Educação no Brasil falha em prover ao jovem elementos para projetar um futuro na sua cabeça e construir objetivos em torno dele.
Não acredito que a população da periferia se preocupe com o nível de poluição dos rios Pinheiros e Tietê, por exemplo. Não creio que seja uma prioridade na vida dessas pessoas.
Quanto ao transporte público, sim, este é um tema importante que influencia a qualidade de vida de muita gente na cidade. Qualquer melhoria será sempre muito bem vinda. Mas será que este “sonho” merece o primeiro lugar, o top of mind do paulistano?
Para mim, não.
A São Paulo dos meus sonhos é uma cidade menos violenta. Uma cidade em que as pessoas possam circular sem se preocupar com a possibilidade de serem assaltadas ou até mesmo mortas por marginais.
Do que adianta sonhar com uma série de outras coisas se não sabemos se estaremos vivos? Ou, pior, se nossos jovens estarão vivos?
Muita gente procura soluções definitivas para a segurança pública em cidades grandes como São Paulo. “É só você investir nisto que a violência diminui”. Na maioria das vezes isso se traduz em mais Educação. Concordo que mais Educação seja importante, mas não é a solução definitiva.
Para mim, a solução viria de uma série de ações que buscariam sempre melhorar a qualidade de vida da população da periferia. Vou listar algumas aqui.
#1 Moradia de Qualidade: a vida na favela é, por si só, um convite ao risco social. Quem mora nesse tipo de ambiente fica exposto a uma série de problemas que tornam a vida do cidadão muito precária e triste. A gestão municipal deveria sempre priorizar a construção de moradias populares para tirar as pessoas da favela e colocá-las em um lar mais digno. Essa ação seria coordenada com outras ações de infra estrutura tocadas em paralelo: construção de avenidas, postos de saúde, praças para lazer, centros culturais etc.
#2 Trabalho: conforme a qualidade de moradia e infraestrutura melhorassem na periferia, as empresas, os empregadores, teriam interesse natural em estabelecer seus negócios nessas regiões. A gestão municipal, em parceria com a gestão estadual, poderia dar uma série de incentivos aos empresários que decidissem montar seus negócios nesta periferia agora modernizada. O objetivo seria gerar empregos num raio de 3km a partir do centro dos bairros residenciais. Até mesmo esse conceito de bairro estritamente residencial deveria ser revisto e reavaliado. Fazer de um bairro periférico um bairro estritamente residencial é condenar seus moradores a uma vida dependente das viagens em transporte coletivo, um investimento de tempo de baixíssimo “retorno”.
#3 Educação: a prioridade MAIOR da Educação seria a formação de professores dentro das comunidades periféricas para que eles trabalhassem em escolas perto de seus lares dando aulas para crianças e jovens da sua própria comunidade. A gestão municipal deveria criar programas permanentes e prioritários de formação de educadores nessas regiões, eventualmente através de parcerias com a iniciativa privada que já tem métodos de formação de docentes em tempo recorde.
Já em relação aos alunos, só haveria uma opção de período, o integral, que iniciaria as 7 horas da manhã e iria até as 19h com refeições e uma grande variedade de atividades.
As crianças e jovens não podem ficar ociosos.
O ócio é o principal problema do jovem periférico.
No final do dia, o jovem voltaria para casa e encontraria lá pelo menos um pai, mãe ou responsável lhe aguardando na comunidade, já que esses adultos trabalham perto de suas residências e também poderiam chegar mais cedo em casa.
#4 Lazer: a vantagem principal de se chegar cedo em casa é poder fazer algo além do trabalho e da escola. Se o lazer é concentrado apenas nas regiões centrais da cidade, é impossível que a população periférica tenha acesso a ele durante a semana, por exemplo, pois isso implicaria em mais viagens em transporte público, e mais custo.
O lazer na periferia é fundamental. Ele se cristaliza através de praças, quadras esportivas, pistas de skate e de bicicleta, centros de convivência, centros culturais e centros comerciais com cinemas, por exemplo.
Por quê não sonhar com cinemas de qualidade na periferia? Só de imaginar uma família de periferia indo ao cinema numa quarta-feira à noite, sessão das 21h, já me dá uma sensação boa. Uma sensação de que melhoramos muito a nossa cidade!
Uma vez que essas pessoas experimentem esse maravilhoso estilo de vida da classe média com moradia de qualidade, trabalho e escola perto de casa e opções permanentes de lazer, irão lutar com todas as suas forças para que tudo continue assim — ou melhore!
O jovem, principalmente, sonhará com um futuro onde ele continuará morando ali porque ali é bom. Ele gosta dali. É feliz ali com as pessoas com quem estudou e brincou ao longo dos anos. É feliz com o trabalho que fica perto de casa e, por isso, o valoriza. Não imaginaria sua vida sem o lazer que pode ter no meio da semana ou aos finais de semana.
Por esses motivos, nunca procuraria o crime. O crime seria um downgrade. O crime jogaria toda essa vida fora.
Para os poucos que ainda se interessassem em trilhar a curta carreira do crime — curta porque a maioria de seus praticantes não chega aos 25 anos de idade — haveria segurança pública agindo com inteligência e objetividade para proteger não somente a população de bem, mas todo esse aparato social que indiquei acima.
Esse é o meu sonho de cidade. Uma cidade sem violência e com gente feliz.