Sistemas de Reputação

Uma pessoa normal saberia avaliar a reputação de mais ou menos 150 pessoas com quem convive.

Saberia apontar as que são mais confiáveis, os amigos, os independentes, os ranzinzas, os esforçados e os nem tanto.

A vida real nos coloca barreiras práticas de convívio que limitam essa investigação sobre as pessoas e a construção de um ranking de reputação com elas. Não temos tempo para isso. Não estamos em contato direto com a maioria das pessoas que conhecemos.

Talvez algumas figuras públicas como políticos, jornalistas e líderes estudantis tenham domínio sobre a reputação de milhares de pessoas que populam o seu dia a dia. Eles dependem dessa informação.

Os ambientes digitais, principalmente aqueles em rede, desafiaram essa teoria quando permitiram que uma pessoa pudesse criar várias redes sociais para si mesma, cada uma com centenas (ou milhares) de contatos.

Na verdade, por mais que existam algoritmos controlando essas redes sociais, somos capazes de lembrar dos contatos com quem temos mais afinidade pelo simples fato deles estarem mais responsivos às nossas atividades. Lembramos daqueles que estão mais “engajados” conosco.

Quantas vezes esquecemos de alguém que parou de curtir nossos posts? Aí descobrimos que ela ainda está cadastrada na rede social, mas não interage. Nossa percepção de valor sobre aquela pseudo amizade diminui.

No final das contas, se pudéssemos ter acesso a algum tipo de “relatório de amizades” veríamos que, assim como no mundo real, nosso circulo de contatos de qualidade não passa de duzentos membros.

LinkedIn Inmaps, serviço de mapeamento gráfico da rede social para identificação de grupos (clusters) de afinidade. O serviço foi descontinuado em 2014 pela rede social.

Há pelo menos dez anos, grupos de estudos na área de HCI (Human-Computer InteractionInteração Humano-Computador) nos EUA e na Europa estudam formas de implementar sistemas online baseados em reputação.

Lembro-me bem quando tomei conhecimento sobre este livro abaixo. Ele abriu meus olhos para a possibilidade de uma rede social se auto organizar com base nas interações e, principalmente, no Ethos da comunidade, abandonando a artificialidade dos algoritmos que buscam o sequestro da atenção do usuário para favorecer conteúdo de anunciantes.

Já existem inúmeras redes sociais que funcionam baseadas na construção orgânica de reputação entre seus membros.

A maioria delas utiliza o conceito de Karma. Sim, como o princípio do karma presente no Hinduísmo e no Budismo.

Suas ações de hoje alimentam ações sobre você amanhã.

Suas postagens, seus likes, seus comentários etc. geram uma pontuação dentro da rede social. Se fosse uma instituição financeira, essa pontuação seria o score.

Da mesma maneira, algumas atitudes na rede podem tirar sua pontuação de karma.

Esse mecanismo de somar ou subtrair pontos é conhecido como up or down vote 🇺🇸, literalmente, voto a favor ou contra, “sim ou não”.

Tão simples quanto isso.

O algoritmo que gerencia os votos a favor e contra também gerencia o acesso aos conteúdos e às funcionalidades da rede social. Quanto mais participativo for o usuário, mais dinâmico será o comportamento do seu karma.

Mas como isso funcionaria na prática?

Ao registrar-se na rede social, por exemplo, o usuário ganha 1 karma.

Ao adicionar sua foto e informações complementares como: idade, localidade, sexo, e bio; ganha mais 5 karmas.

Depois de confirmar seu email ou número de telefone, mais 10 karmas.

Se importar os contatos de seu telefone e convidá-los para a rede, mais 50 karmas!

Até aqui foram 66 karmas. Nada mal. Mas aí o usuário percebe que seus colegas que já estão na rede há mais tempo têm centenas de karmas. Alguns, milhares!

Curiosamente, ele não consegue dar nem tirar karmas de ninguém. Essa funcionalidade é destravada no patamar de 100 karmas.

Aviso automático (via bot) que recebi no Reddit ao tentar participar de uma discussão sobre criptomoedas sem ter o karma mínimo de 50. Meu comentário foi apagado automaticamente pelo robô.

Aí o usuário entra em um grupo que discute a reforma da previdência no Brasil. Apesar não conseguir votar nos posts que mais gostou, percebeu que era possível comentar livremente em qualquer um deles.

Achou um comentário que não lhe agradava e comentou:

Isso é uma idiotice! Uma m…!

Horas depois recebeu uma notificação sobre um post que um amigo seu fizera na rede. Ao entrar para ler os detalhes percebeu que seu karma estava em 40.

Um click no número revelou que vários usuários do grupo da previdência não gostaram do comentário ofensivo e lhe deram downvotes a -1 karma cada.

Esses usuários conquistaram essa funcionalidade a partir do seu milésimo karma.

Alguns deles tem karma superior a 10.000, que lhes permite suspender usuários temporariamente ou até requisitar o cancelamento definitivo da conta.

As redes sociais baseadas em reputação são o que mais nos aproxima de um sistema meritocrático perfeito.

Futuro

E se essas redes pudessem contribuir efetivamente para a construção de um mundo melhor?

É assim que pensam os líderes desse movimento.

No futuro, tais redes poderão oferecer páginas públicas para os perfis dos usuários onde são destacados níveis de karma — lê-se reputação — por tipo de assunto.

Eu, por exemplo, talvez tivesse karma positivo para assuntos relacionados ao ciclismo ou às startups de tecnologia. Por outro lado, meu karma talvez fosse perigosamente baixo nos assuntos de políticas públicas.

Seria uma grande oportunidade para o usuário entender o ethos de sua comunidade em contraste com seu perfil pessoal. É uma grande oportunidade para exercitar o autoconhecimento e planejar o desenvolvimento pessoal.

Empresas e outras organizações poderão verificar essa página para conhecer melhor o usuário que busca uma oportunidade de trabalho, por exemplo.

As redes de reputação poderão dar pistas não somente sobre o perfil pessoal do candidato, mas também sobre seu perfil técnico e competências.

Empresas como Uber e AirBnB poderão se integrar a essas redes para obter respostas sobre a reputação de seus clientes e usuários em tempo real no ato da contratação do serviço.

O maior ganho para todos é a possibilidade de fazer parte de uma rede que se auto regula, assim como tudo na natureza. Um verdadeiro ecossistema. Pontos positivos são reforçados; pontos negativos são debilitados.

Monetização

Outra tendência nesta área é oferecer oportunidades de monetização nas redes sociais. Usuários com boa reputação recebem fundos em criptomoedas.

Além do saque em dinheiro, as tokens podem ser usadas na compra de itens dentro da própria rede social ou no pagamento a outros usuários como forma de agradecimento ou incentivo.


Atualizado em 29 de março de 2021