Fiquei sabendo hoje do falecimento de Keisen Ono, o mestre da minha mestra de Aikido, Lila Sensei, e um dos maiores nomes do Aikido no Brasil, senão o maior.
Só guardo boas memórias deste incrível mestre.
A primeira delas, a mais antiga, foi quando participei de meu primeiro seminário na Academia Central de Aikido. Creio que no ano 1997 ou 1998.
Ono Sensei faria uma demonstração no final do seminário sozinho no tatame.
Eu já estava na arquibancada vestindo minhas roupas de rua quando a demonstração começou. Por mais que eu já fosse aluno da Lila Sensei, ninguém me avisou sobre o que estava por vir. Aliás, foi melhor assim. Fui pego de surpresa de tal maneira que nunca mais esqueci aquele espetáculo de marcialidade e Ki.
Ono Sensei começa com Tati Wasa básico. Seu Uke parecia uma boneca de pano.
Sensei o colocou imobilizado de barriga para baixo no tatame, mas com um só movimento segurando na faixa e na gola da camisa virou o uke de barriga para cima.
Tive que coçar os olhos e pensar no que eu acabara de presenciar. Um senhor de idade virar um cara do avesso como se fosse uma calça jeans em cima da tábua de passar roupa. Meu deu tilt.
A segunda lembrança marcante que tenho do Sensei é de uma cena que vi num treino com armas na Associação Pesquisa de Aikido (APA).
Ono Sensei demonstrava a importância do timing na esquiva de um ataque de espada, no caso, uma espada de madeira, o bokken.
Rubens Caruso Sensei era seu uke.
Ninguém naquela época tinha tanto domínio do bokken como Rubens Sensei.
Depois de vários ataques e defesas chega o momento em que Ono Sensei pede um ataque vigoroso, o mais forte e rápido que Rubens poderia desferir naquele dia ou, quem sabe, até então.
Reparei que a altura do quadril de Rubens baixara uns 10 ou 15 centímetros. A distância entre os pés, o kamae, aumentara também nessa ordem.
Enraizamento para um ataque potente.
O que se sucedeu foi, também, algo que desafiou meus sentidos. Lembro da espada no alto, acima da cabeça de Rubens Sensei e depois ela embaixo, com a ponta para o chão. A trajetória, o percurso do bokken, eu não consegui perceber. Talvez eu tenha piscado no mesmo momento, ou talvez tenha sido um movimento de ataque perfeito que não dá chance para o adversário percebê-lo, o mesmo que as cobras usam no seu bote, os cães no seu avanço, os cavalos com seus coices e os camaleões com suas línguas tão rápidas.
Rápido para mim, apenas, um mero observador.
Ono Sensei fez um pequeno movimento de corpo, tai sabaki; tão curto e tão rápido que se misturou com a própria velocidade da espada. Em um picar de olhos estava nas costas de Rubens Sensei.
Deu um leve tapa no ombro de Rubens, aquele que se dá para que ambos yudanshas avancem para a próxima técnica.
Rubens Sensei, por um segundo ou dois, não respondeu. Com a espada apontada para o chão, ainda estava preso na “cápsula do ataque” enquanto seu mestre o chamava para o próximo movimento, íntegro, lúcido demais como se nada tivesse acontecido ali.
Ono Sensei foi um grande mestre que passou a vida nos ensinando pequenos detalhes. Posições, movimentos, respiração, ki.
Nunca perguntei isso a ele — que pena — mas acredito que a vida é mais ou menos assim. De vez em quando alguém (ou um vírus) aparece para te dar uma paulada mortal. A lição que a marcialidade nos dá é que um simples e curto movimento pode mudar totalmente a dinâmica desse ataque e trazer a harmonia de volta. Um passo. Só isso.
Grandes ameaças exigem grandes respostas? Não.
Um simples movimento pode neutralizar grandes ameaças? Sim.
Obrigado, Sensei, por todos os seus ensinamentos. Descanse agora. Seu Aikido continuará vivo em todos os seus alunos.